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A INTERPRETAÇÃO DO REGIME TRANSITÓRIO DA NOVA LEI GERAL DO TRABALHO

Atualizado: 30 de mar.



I.              INTRODUÇÃO

 

Desde o dia 26 de Março de 2024 que se encontra em vigor a Lei n.º 12/23, 27 de Dezembro de 2023, que a aprova a Nova Lei Geral do Trabalho, e a respectiva Rectificação n.º 2/24 de 1 de Março, adiante “NLGT”.

 

No seu rol de artigos contém um regime transitório, no art.º 319.º, com a seguinte redacção:

1.     Os contratos por tempo determinado, celebrados à luz da Lei 7/15 de 15 de Junho, vigoram ao abrigo da respectiva lei até à data prevista para a sua caducidade.

2.     Se à data da caducidade do contrato, as partes pretenderem renovar o contrato, considera-se renovado nos termos da presente lei.

3.     A renovação feita nos termos do número anterior, não prejudica os direitos adquiridos do trabalhador.

 

No presente artigo jurídico pretendemos analisar o art.º 319.º da NLGT, respondendo às seguintes questões: 

§  O que o legislador quis acautelar com esta norma?

§  Que problema pode ser levantado?

§  Que interpretação devemos dar ao n.º 1 do art.º 319.º da NLGT?

 

II.     O QUE O LEGISLADOR QUIS ACAUTELAR COM O ART.º 319.º?

 

A relação laboral não é uma relação instantânea, ou seja, ela envolve a prática de um conjunto de actos que se estendem durante certo tempo (determinado ou indeterminado). Neste sentido, é comum que uma relação laboral constituída no âmbito da vigência de uma lei perdure durante o tempo de vigência de outra lei, que revogue àquela primeira. Por esta razão, o legislador angolano consagrou o regime transitório no art.º 319.º da NLGT.

 

Em termos objectivos, é nosso entendimento de que o legislador angolano quis acautelar que o quadro constitutivo, modificativo ou extintivo, verificado numa relação laboral por tempo determinado, no âmbito da Lei 7/15 de 15 de Junho, adiante antiga LGT, não fosse posto em causa pela NLGT, reforçando o conteúdo constante no art.º 12.º do Código Civil, adiante CC. Assim, se as partes, no âmbito da antiga LGT, celebraram um contrato de trabalho de 6 meses, esta duração não deve ser afectada pela NLGT.

 

III.  QUE PROBLEMA PODE SER LEVANTADO?

 

Resulta do elemento literal do n.º 1 do art.º 319.º da NLGT, a seguinte redacção: “Os contratos por tempo determinado, celebrados à luz da Lei 7/15 de 15 de Junho, vigoram ao abrigo da respectiva lei até à data prevista para a sua caducidade”.

Com esta redacção, muitos têm defendido que os contratos de trabalho por tempo determinado celebrados antes da entrada em vigor da NLGT devem continuar a ser regulados única e exclusivamente pela antiga LGT. Assim, estes contratos não só continuarão com o prazo acordado pelas partes, mas também com todo o anterior regime revogado da antiga LGT, isto é, férias, faltas, indemnizações, regime disciplinar, licenças etc.[1]


Com base nesta tese, se, por exemplo, falecer o irmão de um trabalhador contratado por tempo determinado, no âmbito da antiga LGT, ele terá direito a 3 (três) dias úteis de faltas justificadas (al. b) do n.º 1 do art.º 146.º da antiga LGT) e não aos 8 (oito) dias úteis consagrados na al. a) do n.º 1 do art.º 223.º da NLGT.

 

IV.          QUE INTERPRETAÇÃO DEVEMOS DAR AO N.º 1 DO ART.º 319.º DA NLGT?

 

Como sabemos, o exercício interpretativo serve-se de vários elementos. Em primeiro lugar, atende-se o elemento literal, ou seja, as palavras em que a lei está expressa para delas retirar um significado. Se o elemento literal revelar o conteúdo espiritual da lei (o sentido profundo do preceito), o intérprete tem de aceitar esse sentido, não lhe competindo entrar no exame doutros elementos hermenêuticos. [2]

 

Entretanto, a par do elemento literal, o exercício interpretativo envolve os elementos lógico, histórico e o sistémico. Na esteira de Galvão Telles, “o legislador não legisla pelo prazer de legislar, mas em vista de certo fim: a satisfação de determinada necessidade que ele sente como justificativa do preceito e que constitui, pois, a sua razão de ser – “ratio legis” ou “ratio iuris”.[3] Como já referido, no n.º 1 do art.º 319.º da NLGT, a ratio legis, ou seja, o aspecto que o legislador pretendeu acautelar era que o quadro constitutivo, modificativo ou extintivo, verificado nos contratos por tempo determinado, no âmbito da antiga LGT, não fosse posto em causa pela NLGT. Assim, com base nesta ratio legis, devemos encontrar a melhor interpretação do n.º 1 do art.º 319.º da NLGT.

 

No que se refere ao elemento histórico, sabe-se que esta norma resulta da recomendação feita pela Ordem dos Advogados de Angola “OAA”, durante a auscultação feita aos parceiros sociais pela Assembleia Nacional, no âmbito dos trabalhos preparatórios da NLGT. Destarte, embora não tenham sido publicados os trabalhos preparatórios, a recomendação da OAA, representada, no acto, por mim, foi com base na ratio legis apresentada no presente artigo jurídico.

 

Por fim, o elemento sistémico obriga o intérprete a olhar para a integração da norma dentro do respectivo sistema. Assim, reportando-nos ao exemplo apresentado no caso de faltas por falecimento do irmão do trabalhador, teremos, numa mesma empresa, trabalhadores a beneficiarem de 3 (três) dias úteis e outros de 8 (oito) dias úteis. Tal como defendido por Menezes Leitão, “essa posição parece, no entanto, inaceitável… porque iria estabelecer desigualdades entre trabalhadores de uma mesma empresa, consoante o momento em que tivessem sido contratados…”[4]


Com base no exposto, é nosso entendimento de que o n.º 1 do art.º 319.º da NLGT deve ser interpretado no sentido de que apenas os aspectos constitutivos, modificativos ou extintivos, verificados nos contratos por tempo determinado, à luz da antiga LGT, não serão postos em causa pela NLGT. Todo o conteúdo da relação laboral, ou seja, direitos e obrigações das partes, serão regidos pela NLGT.[5]

 

V.              CONCLUSÃO

 

A redacção do n.º 1 do art.º 319.º da NLGT é susceptível de criar uma problemática interpretativa, atendendo o seu elemento literal que transmite, por lapso, o sentido de os contratos de trabalho por tempo determinado celebrados antes da entrada em vigor da NLGT devem continuar a ser regulados única e exclusivamente pela antiga LGT. Entretanto, como vimos, tal interpretação conduzir-nos-ia a soluções que criariam antinomias no ordenamento jurídico angolano, com realce para situações de desigualdades entre trabalhadores de uma mesma empresa. Assim, é nosso entendimento de que o n.º 1 do art.º 319.º da NLGT deve ser interpretado no sentido de que apenas os aspectos constitutivos, modificativos ou extintivos, verificados nos contratos por tempo determinado, à luz da antiga LGT, não serão postos em causa pela NLGT. Todo o conteúdo da relação laboral, ou seja, direitos e obrigações das partes, serão regidos pela NLGT, reforçando o disposto no art.º 12.º do CC.



A INTERPRETAÇÃO DO REGIME TRANSITÓRIO DA NOVA LEI GERAL DO TRABALHO
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[1] Esta problemática já havia sido alertada por nós, aquando da aprovação final global da NLGT, com base na leitura do relatório da discussão na especialidade. Consulte o artigo no link: https://www.jmadvogado.com/post/o-que-esperar-da-nova-lei-geral-do-trabalho


[2] TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, Coimbra Editora, 2010, 11ª Edição Reimpressão, pág. 245.


[3] TELLES, Inocêncio Galvão, Introdução ao Estudo do Direito, Volume I, Coimbra Editora, 2010, 11ª Edição Reimpressão, pág. 247.


[4] LEITÃO, Luís Manuel Teles Menezes, Direito do Trabalho de Angola, Almedina, 2013, 2ª Edição, pág. 60.


[5] Veja também MARTINEZ, Pedro Romano, Direito do Trabalho, Almedina, 2006, 3ª Edição pág. 227 – 244.

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